Sertão Hoje

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Colunistas

José Walter Pires

José Walter Pires é escritor, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel e tem várias obras já publicadas, que inclusive são utilizadas nas redes pública e privada de ensino.

O MEU SELO E A MINHA VIDA

O meu selo representa a minha relação e dos meus irmãos com os Correios. Explico: minha mãe foi agente postal, nomeada por concurso, nos idos de 1952. Lembro-me do dia em que meu pai, chegando de Barra da Estiva, à tardinha, deu essa notícia a ela. Morávamos no Angico, uma fazenda às margens do Rio Ourives, município de Ituaçu. Fomos obrigados a mudar para Barra da Estiva. Também já era tempo de Escola para mim e minha irmã. Começaram os preparativos e a saudade em deixar aquele lugar aprazível, de grandes recordações. A cidade, ainda que muito acanhada, era um novo mundo. Meu pai na sua luta, estabelecendo-se como comerciante, teve de vender a Fazenda tempos depois. Ele teve altos e baixos na sua vida financeira. Um aventureiro! Minha mãe foi o nosso sustentáculo. Funcionária pública Federal, do que muito se orgulhava e, envaidecida, valorizava o seu status, sem cometer jamais um deslize, até aposentar-se após trinta anos de prestação contínua de serviços, em Ituaçu, como telegrafista, portanto, operadora do código morse, na transmissão de telegramas. Nunca adoeceu de LER. E raras vezes se afastou das suas funções, a não ser em férias ou por eventuais doenças. Fora isso, não havia acontecimento que a fizesse deixar de cumprir, diuturnamente, o seu horário. Em Barra da Estiva, eu e minha irmã a ajudávamos no cumprimento de tarefas simples, pois a agência era anexa à nossa casa, como, por exemplo, separar correspondências por ordem alfabética ou por endereços, a serem colocadas nos devidos compartimentos de uma estante; colávamos selos nos envelopes; atendíamos as pessoas, caso ela estivesse ocupada ao telefone, nas transmissões dos telegramas, entregávamos correspondências aos destinatários; no meu caso, ainda saia às ruas da cidade entregando telegramas, pois não havia estafetas. Com isso as pessoas me gratificavam pela entrega e conseguia algum dinheirinho para as guloseimas das vendas da cidade. Aprendemos a preencher um envelope, com endereçamentos centralizados, deixando sempre o canto superior à direita para a colagem dos selos, sem encobrir o endereçamento, olhávamos os remetentes e ainda ajudávamos a fechar as malas que eram transportadas a lombo de burros, pelo “homem do correio”, até à estação ferroviária da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, em Sincorá, para serem entregues ao Chefe da mesma, daí seguindo viagem para Salvador, e de lá para os diversos lugares, na maioria para São Paulo, destino da maioria, quando abandonavam o sertão, em busca das sonhadas melhoras de vida. Os outros irmãos não participaram disso por serem mais novos e um deles nem nascido. Aliás, minha irmã e eu sempre assumimos essas e outras responsabilidades domésticas. Ela foi moça prendada e eu "menino-homem" como alguns se referiam a mim. Aprendemos a viver sob esse estigma o resto das nossas vidas. Muito devemos a minha mãe pela sua tenacidade, pela firmeza das decisões, pelas preocupações domésticas, pelos negócios de meu pai, pelos nossos estudos, pelas cartas que nos fazia, dando as notícias, iniciando sempre com a expressão: Meu filho ou minha querida filha: Aqui vamos da forma do costume...”. Sabíamos o que ela queria nos dizer. Cartas bonitas, bem redigidas, caligrafia cursiva perfeita, legível, conforme fazia, ao ritmo do morse, lendo os pontos e linhas grafados numa fita que ia correndo, compondo as palavras e números das mensagens diárias. Como aprendemos com ela. Requerimentos, procurações, ofícios, cartas nem se fale, além da datilografia, numa velha máquina remington, que levei para Salvador e muito me serviu no meu prenúncio de vida literária. Ela jamais admitiu segunda época para nós. E quando nos queixávamos, ela era taxativa: não fazem mais do que a obrigação! Calávamos sem admoestações, sem rancores. Era a regra..

Bem, vou para por aqui, com essas referências que, hoje, traduzo no simbolismo deste selo para dar maior publicidade à minha arte literária e levar, nas asas do pombo correio (double morse), esse modestos feitos, embalados pela canção do irmão Moraes Moreira que enlouqueceu multidões, e atualmente ele revive em seu show pelo Brasil, falando do morse, falando da nossa mãe, contando as nossas histórias com o sugestivo título de POMBO CORREIO.