Sertão Hoje

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Colunistas

Ricardo Stumpf

Ricardo Stumpf é graduado em Arquitetura, com especialização em Desenho Urbano, Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia e especialização em Lingüística: leitura e produção de textos pela Universidade do Estado da Bahia (2007).

Brilho no olho

Este ano de 2015, estou saindo de mais de dez anos de convívio com o tema educação. 

Em 2004 ingressei no MEC através de concurso temporário, onde fiquei por apenas oito meses, desanimado com o que vi e vivi lá dentro. Colocado num departamento que lidava com convênios entre órgãos financiadores internacionais, principalmente o BID e o BIRD, que a partir dos governos de FHC davam as diretrizes da educação brasileira, e governos estaduais, me cabia analisar processos de licitações para compra de materiais e equipamentos. 

Mas se achasse alguma coisa de errado, era logo orientado a aprovar do jeito que estava, pois não nos cabia julgar decisões superiores. Acabei dando de cara com um processo em que o governo da Bahia recebia seis equipamentos de vídeo-conferência para serem instalados em universidades estaduais. Mas como a Bahia só tinha quatro, dois foram “dados” de presente para instituições privadas. Além disso, encontrei uma compra de um programa Windows, desses comuns, por mais de 300.00,00 reais. 

Ao questionar meu chefe recebi a velha ordem: tem que aprovar. Me recusei e pedi demissão, mas mesmo enquanto cumpria aviso prévio continuei pressionado a mudar meu despacho, onde reprovava o processo. 

Depois soube pelos funcionários mais antigos (os funcionários sempre sabem onde mora a corrupção), que ali havia uma máfia de ex-militares que controlava as licitações desde os tempos da ditadura. 

É uma ilusão pensar que a corrupção dentro da máquina dos governos se refere apenas ao governante de plantão. Elas sobrevivem a todos os governos e ideologias. Existem grupos encastelados dentro dos governos, que funcionam há décadas. 

Encontrei também muitos indícios de corrupção em licitações para fornecer alimentos e alugar locais para eventos promovidos pelo MEC, como encontro de professores ou cursos de formação continuada. 

Deixei um relatório entregue a um diretor e vim morar na Chapada Diamantina, desiludido de tudo. 

Em 2005 iniciei uma pós-graduação em linguística e produção de textos, na Uneb de Brumado, e dentro dela escolhi a área de análise do discurso, o que me levou a produzir uma monografia à respeito dos discursos sobre educação, no Brasil, desde os tempos da colônia, que resultou no livro Escola, espaço e discurso, onde analiso as ideias sobre educação no Brasil até o primeiro governo Lula, chegando à triste, mas óbvia, conclusão de que nenhum governo teve até hoje interesse verdadeiro em dar ao povo uma educação de qualidade.  

Nem mesmo os governos do PT conseguiram ou quiseram ir além da estrutura criada por Anísio Teixeira, baseada nas ideias do norte-americano John Dewey, que se baseia na municipalização como forma de democratização, princípio largamente combatido por Darcy Ribeiro, que dizia ser a municipalização a causa principal do atraso da educação no Brasil, por estar nas mãos dos “coronéis” do interior, representantes do setor mais atrasado da sociedade brasileira. 

Em 2006 voltei ao MEC, pelas mãos de uma amiga, pessoa séria e íntegra, desta vez como consultor, no PRADIME, Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais da Educação. Elaboramos textos e oficinas e viajamos pelo norte, nordeste e centro-oeste, trabalhando com Secretários Municipais de Educação e o que me espantou desta vez não foi a corrupção. O que me espantava era a discórdia no campo da educação, entre consultores remanescentes dos governos neoliberais, ligados principalmente ao PSDB, e nós, recém chegados, mais ligados ao ideário do PT. As concepções que se digladiavam em intermináveis discussões, eram a qualidade total e a qualidade social na educação. A Qualidade Total era defendida pelos neoliberais, escudados nos consultores internacionais do BID e do BIRD, que eram em sua maioria espanhóis. Significava tratar o aluno como cliente e tendia a premiar os professores pelos resultados obtidos. 

A qualidade social não era uma coisa precisa, mas baseava-se principalmente na compreensão da realidade social dos alunos, para atingir bons resultados. Ambas se baseavam em avaliações periódicas, do tipo ENEM ou Prova Brasil. 

A mim parecia que nenhuma das duas tocava nos pontos nevrálgicos da questão. 

Em 2011 o livro foi publicado pela Editora 24 horas (uma editora on-line) e no mesmo ano eu voltei a dar aulas. 

Minha experiência didática começou em 1985, na Faculdade de Teatro Dulcina de Moraes, em Brasília, onde ensinava desenho perspectivo. Segui em cursinhos e na escola São Jorge dos Ilhéus, de ensino médio, onde lecionei história por três anos, em Ilhéus. Depois fui para a UnB, onde ensinei projeto na Faculdade de Arquitetura, entre 93 e 94 e só retornei em 2011, na Fainor, em Vitória da Conquista, numa faculdade de arquitetura que estava abrindo as portas. 

Em 2012 me afastei, em função da doença de minha mãe, e só voltei a dar aulas no primeiro semestre de 2014, no curso de edificações do CETEB de Livramento. No segundo semestre fui convidado para voltar à Fainor, desta vez como coordenador do curso de arquitetura, que estava em crise profunda. Permaneci na função (e também lecionando) até abril de 2015 e encerrei este semestre apenas como professor, tendo me desligado novamente por me sentir muito cansado e, confesso, frustrado com os rumos da educação brasileira. 

Como avaliar toda essa vivência no campo da educação, tanto como professor quanto em órgãos ou posições de gestão? Confesso que me sinto perplexo.  

Como professor sei o que é importante para o aluno. Sei a diferença entre ser apenas um professor, que cumpre horários para receber um salário e verbaliza um conteúdo para alunos interessados ou não (que importa?), ou ser um educador que persegue o acender daquele brilho no olho do aluno, que significa que ele foi fisgado para o conhecimento. 

Ah, quanta diferença! O brilho no olho do aluno é tudo! Significa que conseguimos encantá-lo com a magia de querer saber mais, de querer controlar algo que ele nem sabia que existia. Daí em diante tudo é fácil. 

Por isso fico triste ao ver resumida a questão da educação ao salário digno dos professores. Ele é necessário, claro, mas de nada adiantaria pagar altos salários a professores que não fossem realmente educadores. 

Pior é ver os gestores das instituições particulares se preocuparem mais com a nota que o MEC vai dar aos seus cursos (para cobrar mais caro?) do que com a qualidade das aulas. E qualidade significa currículos em constante evolução, bibliografias atualizadas, acompanhamento do desempenho dos professores e formação continuada para eles.  

Ou então psicopedagogas se comportando como enfermeiras nazistas de um hospital psiquiátrico, tratando os professores como loucos irresponsáveis que só funcionam na base do eletrochoque. Sério, o que essa gente aprende nas faculdades?  

Ou ver a disputa de vaidades e egos, entre professores das universidades públicas, usando seus títulos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, como cartas na manga para conseguir mais prestígio e ascensão na carreira acadêmica, desinteressados da sua função mais importante: ensinar. 

Não se lembram que o ensino de qualidade é o molde do nosso futuro como nação? Não se lembram da sua responsabilidade como educadores? 

Muito desanimado resolvi parar, mas neste último semestre, dando aulas de TCC para a primeira turma de arquitetura que vai se formar no interior da Bahia, fui surpreendido por uma aluna de Brumado. Ah, uma das melhores coisas de ensinar é que a gente aprende o tempo todo! 

Ela escolheu como tema o projeto de uma escola, mas estava muito desanimada. Passei tudo que eu tinha para ela e recomendei que centrasse sua pesquisa no método de ensino. Pois não é que um dia ela me apareceu com aquele inconfundível brilho no olho: 

_Professor, descobri! − disse ela. − O senhor já ouviu falar da Escola da Ponte, em Portugal? Passou então a descrever uma proposta totalmente diferente de ensino, sem currículo, sem salas de aula, que funciona há mais de 15 anos com alunos problemáticos, com ótimos resultados. Fui pesquisar e confirmei tudo que ela falou. Parece ser um caminho novo para a educação no Brasil. Os alunos são pesquisadores e os professores trabalham como orientadores, utilizando todo o potencial da internet. 

E naquele dia foi o meu olho que voltou a brilhar e, parodiando Fernando Pessoa; 

O universo reconstruiu-se-me. 

Ainda há esperança.