Sertão Hoje

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Ricardo Stumpf

Ricardo Stumpf é graduado em Arquitetura, com especialização em Desenho Urbano, Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia e especialização em Lingüística: leitura e produção de textos pela Universidade do Estado da Bahia (2007).

A TV ainda está na sala

Venho lecionando projeto arquitetônico há muitos anos, e mesmo agora, depois de aposentado, continuo exercendo essa função por amor à sala de aula.

Gosto de ensinar e interagir com os alunos, com quem aprendo todos os dias, me realimentando da criatividade deles e me atualizando constantemente, num mundo que vai escapando à compreensão dos que, como eu, já passaram dos 60.

Recentemente, conversando sobre a disposição dos móveis na sala de um pequeno apartamento, surgiu a dúvida à respeito de dispor a TV na frente do único sofá da casa.

Lembrei aos alunos de um tempo em que não existia televisão e as salas eram reservadas para as visitas conversarem. Com a chegada dos primeiros aparelhos, grandes geringonças desajeitadas movidas à válvula, foi preciso achar um lugar para elas num cantinho. 

Com o advento do transistor elas diminuíram de tamanho e passaram a ser portáteis, permitindo que fossem deslocadas pela casa, ou que houvessem várias no mesmo domicílio. Com as telas planas e aTV digital, sem aquele enorme tubo de imagem, os aparelhos ficaram mais leves e voltaram a crescer, passando a ser o objeto mais importante da sala, verdadeiras telas de cinema dentro de casa.

Hoje, a maioria dos estudantes e arquitetos, quando projeta uma pequena sala de estar, coloca apenas um sofá em frente a um rack, onde repousa uma grande TV.

A conversa entre as pessoas da família e os eventuais visitantes, foi substituída pela posição passiva do observador que recebe continuamente informações, podendo ser manipulado para direcionar seus hábitos de consumo, sua maneira de pensar, suas posições políticas e até seu jeito de falar.

Depois das salas de estar, as tvs invadiram as salas de espera de consultórios, laboratórios, e até de órgãos públicos, servindo de entretenimento para amenizar a irritação de esperar para ser atendido em um ambiente pequeno e cheio de pessoas desconhecidas. Até nos elevadores foram colocadas receptores, que transmitem geralmente canais fechados.

O debate com os alunos passou aos ambientes de sala de espera, onde a TV Globo é quase obrigatória, e as pessoas estão parando de observar as telas da televisão, que agora ficam com o som baixo, e passaram a preferir os celulares, onde podem se comunicar silenciosamente através do whatsapp, escolhendo que tipo de informação desejam, não estando mais presas a uma programação determinada.

As perguntas que fiz a eles foram: até quando a tv estará no lugar central da sala de estar? Com a aceleração do ciclo da internet e suas constantes novidades tecnológicas, como será a mídia do futuro próximo e que lugar ela vai ocupar nas residências?

Ninguém soube responder, mas o debate despertou muito interesse.

Embora os receptores mais recentes já tenham incorporado o acesso à internet, nas chamadas "smart tvs", elas ainda pecam pelo fato de serem um objeto de apreciação coletiva, não permitindo a privacidade de um aparelho celular.

Me parece que a tendência é o abandono definitivo do grande aparelho coletivo e sua substituição por smartfones cada vez mais evoluídos, possivelmente com telas flexíveis dobráveis, onde se pode baixar todo tipo de programação, trocando o texto repetitivo das redes de televisão pelo "hipertexto" da internet, onde uma infinidade de links abre possibilidades para o usuário construir seu próprio texto, criando o que está sendo chamado de "bolhas".

Essas bolhas reúnem pessoas de gostos e interesses semelhantes, que se articulam em torno de links que vão descobrindo e compartilhando, formando comunidades virtuais de consumidores de produtos, ideologias, culturas e visões do mundo, que tendem a não se comunicar com outras bolhas de gente que pensa diferente.

Nesse universo de comunidades que vão se formando, fica cada vez mais difícil para a mídia tradicional exercer a influência que teve no século XX, onde a chamada imprensa, tinha o monopólio dos fatos e podia filtrar o que lhe interessava para formar opiniões.

A tendência acentuada de perda de poder dos grandes conglomerados midiáticos sobre a cidadania e o consumidor pode ser observada no momento político atual, quando as grandes redes de Televisão e os maiores jornais do país, em conluio com a grande burguesia, sustentam o golpe parlamentar de Temer com objetivo de suprimir direitos dos trabalhadores para aumentar seus lucros.

 Apesar do bombardeio diário dessa mídia, tentando apresentar os esdrúxulos "projetos" desse governo ilegítimo como necessários à salvação nacional, já não está sendo tão fácil manter o povo prisioneiro das suas falsas verdades.

Mesmo os políticos que recorrem frequentemente e à internet, através das redes sociais, como o teatral prefeito de São Paulo, não conseguem furar a sua própria bolha, e ficam falando apenas para os seus convertidos.

As TVs continuam ligadas nas salas de espera, transmitindo os eternos folhetins lacrimejantes, programas de auditório medíocres, entrevistas repetitivas, telejornais sem credibilidade ou programas de entretenimento com apresentadores idiotas, repetindo apenas o que interessa aos anunciantes. Mas os espectadores não estão mais vendo, ou pelo menos estão diminuindo rapidamente.

Conheço muita gente que já não tem mais tv, ou então usa o aparelho apenas para baixar filmes com auxílio de um notebook. Mesmo os canais por assinatura enfrentam a concorrência da Netflix, que produz suas próprias séries, libertando o espectadores da eterna repetição de filmes de Hollywood. Muitos nem usam mais a Netflix, preferindo baixar filmes e músicas diretamente da internet através de aplicativos, cada dia mais fáceis de acessar.

O futuro da comunicação parece ser o compartilhamento, multifacetado e cada vez mais incontrolável. O único nicho de mercado ainda não atingido pela internet e disputado a peso de ouro pelas grandes redes é o futebol, por enquanto.

De resto, a tv na sala de estar vai ficando cada vez mais para os velhos, que não conseguem acompanhar as transformações e em breve não estarão mais neste mundo para dar audiência aos que insistem em manipular as consciências e conspirar contra a democracia.