Sertão Hoje

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Ricardo Stumpf

Ricardo Stumpf é graduado em Arquitetura, com especialização em Desenho Urbano, Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia e especialização em Lingüística: leitura e produção de textos pela Universidade do Estado da Bahia (2007).

Decifrando Trump

Assisti Trump ao vivo na CNN, falando para os trabalhadores da Boeing, na Carolina do Sul. Não me pareceu que ele tenha dito nada que muitos presidentes não digam sempre pelo mundo afora: que queria promover mais empregos, com melhor remuneração, para os trabalhadores americanos.

Então porquê essa reação histérica da imprensa norte-americana e brasileira contra ele?

A primeira providência de Trump, foi abandonar o Tratado Transpacífico, pacientemente costurado por Obama nos últimos oito anos. Oficialmente dizia-se que esse tratado tinha como intenção conter a crescente influência econômica da China na região, mas as notícias que vêm circulando na própria imprensa americana nas últimas semanas, dão conta de que o mega-investidor George Soros estaria por trás da articulação do tratado, cujas cláusulas secretas permitiriam às empresas transnacionais ignorar as leis dos países signatários, caso essas prejudicassem seus negócios.

Seriam como abolir toda a legislação de proteção dos trabalhadores, do meio ambiente e dos próprios direitos civis de todos esses povos, inclusive suas constituições, em benefício dos grandes investidores.

Hoje quando compramos um sabonete ou um pote de margarina, não sabemos mais que empresa o fabrica, pois a propriedade industrial virou uma teia em que muitos fios se misturam.  Os nomes das empresas que constam dos rótulos dos produtos, escondem os verdadeiros donos desses oligopólios, que abrangem setores variados controlados por grandes bancos ou investidores como Soros. Assim, o mesmo grupo que produz sorvetes, pode também produzir canhões ou detergentes. É o que se chama de "financeirização do capitalismo", última etapa do processo de globalização.

Trump, que é um grande empresário, conhece bem como isso funciona e se insurge contra um capitalismo que beneficia cada vez mais os especuladores financeiros em detrimento daqueles que ainda sonham em produzir alguma coisa de útil, dentro do velho sonho fordista de criar uma sociedade de consumo de massa que eleve o nível de vida das populações através da valorização dos salários.

É, sem dúvida, uma visão nostálgica, mas que visa o bem estar do povo americano, na medida em que vai de encontro ao projeto de um pequeno grupo de financistas bilionários, que pretendem dominar o mundo, indiferentes à sorte da humanidade.

Quem assistiu ao filme "O homem nas trevas", aliás muito ruinzinho, pode ver o cenário de desolação de bairros inteiros de Chicago, abandonados em meio à crise que levou ao fechamento das indústrias que um dia transformaram aquela cidade numa das mais prósperas dos Estados Unidos.

Trump representa a defesa da grande indústria contra os especuladores que preferem fechar fábricas ou mandá-las para algum país do terceiro mundo onde a mão de obra seja mais barata, os controles ambientais sejam fracos e os políticos mais corruptos.

Lembraram-se de algum país assim? Não seria o Brasil desse desgoverno que assumiu o poder no golpe de 2016?

Porque tanto empenho do "governo" Temer em destruir os direitos trabalhistas e previdenciários dos brasileiros? Porque a reforma da educação, que transforma nossos estudantes pobres em meros aprendizes técnicos, sem capacidade de pensar e criar ciência?

O objetivo do golpe de 2016, dado com apoio do governo Obama através do Juiz Moro, que vive viajando aos EUA para receber novas instruções, era impedir o Brasil de continuar desenvolvendo políticas próprias, valorizando a mão de obra dos trabalhadores brasileiros e adquirindo capacidades tecnológicas importantes, que nos permitissem um vôo solo, ou seja, que nos desvinculassem da dependência das grandes empresas multinacionais e dos interesses geopolíticos da OTAN.

Os maiores exemplos são os aviões supersônicos, comprados da Suécia com transferência de tecnologia, e o submarino nuclear desenvolvido pela Odebrecht para a Marinha, que fecharia a porta do Atlântico Sul à esquadra americana.

E porque a grande mídia apoiou, promoveu e continua defendendo o golpe? Porque ela também está nas mãos desses mesmo grupos financeiros que querem promover um mundo de desigualdades, onde a indústria seja apenas uma mero joguete nas mãos dos grandes especuladores. Essa mídia não aceita a democratização da nossa sociedade, muito menos o surgimento de um grande mercado de massas no nosso país, como ingenuamente os governos Lula e Dilma pretenderam construir, achando que a grande burguesia os apoiaria.

É pelo mesmo motivo que a mídia americana está demonizando Trump, como a nossa demonizou Dilma, preparando também lá um impeachment, que reconduza os mega especuladores ao poder, com apoio dos políticos comprados por eles.

Dizer que Trump vai provocar uma guerra é no mínimo contraditório, no momento em que ele se propõe a fazer as pazes com a Rússia.

Hillary era o grande perigo. Ela representava esses interesses. Foram ela e Obama que inventaram a destruição da Ucrânia, da Líbia e da Síria, matando centenas de milhares de civis inocentes para desestruturar países que podiam ser obstáculos à globalização financeira, tentando conter Russia, Índia e China e sua Nova Rota da Seda, que promete criar uma zona de prosperidade no extremo oriente.

Eram eles que estavam preparando uma guerra devastadora contra a Rússia e a China, que nos envolveria num mar de fogo e destruição. Trump quer parar isso para recuperar a indústria americana, embora seja inexperiente como político e muitas vezes proponha medidas absurdas, como o muro na fronteira com o México, a deportação de imigrantes e outras trapalhadas.

Mas isso é um problema dos americanos. O que importa para nós é que a eleição de Trump surpreendeu o grupo que tomou o poder no Brasil para impor o modelo ultra-liberal dos grandes especuladores.  Os isolacionistas de Trump não os querem mais como sócios, e os golpistas de Temer, da Globo, da Folha e da Veja, agora fazem campanha contra ele, na esperança de que a situação possa ser revertida.

Mas a posição deles se enfraqueceu com toda essa confusão no cenário internacional. As classes médias brancas americana e inglesa, percebendo que começavam a ser prejudicadas pelo modelo globalizante, criaram novos fatos políticos, com a eleição de Trump e o Brexit desestabilizando todo o panorama. Os nostálgicos do nazismo e do fascismo aproveitaram a oportunidade para botarem a cabeça de fora, mas não creio que Trump os represente.

Seus votos ajudaram sua eleição, é certo, mas o grande perigo vem de dentro do sistema, ou seja, a pressão do complexo industrial militar e sua capacidade de pressionar Trump para que ele continue com as guerras que lhes proporcionam lucros astronômicos.

Estamos numa encruzilhada histórica, onde forças de passado e do futuro se confrontam, embora Trump não me pareça ser o demônio que a mídia pinta. Os próximos anos nos dirão para que lado o vento soprará com mais força, mas com certeza os partidos que usurparam o poder no Brasil, especialmente PSDB, PMDB e DEM, não estão tão fortes e seu alinhamento com as forças mais obscuras do planeta foi uma proposta arriscada, que começa a fazer água. Por isso os primeiros ratos importantes, como José Serra, começam a abandonar o navio.