Sertão Hoje

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Ricardo Stumpf

Ricardo Stumpf é graduado em Arquitetura, com especialização em Desenho Urbano, Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia e especialização em Lingüística: leitura e produção de textos pela Universidade do Estado da Bahia (2007).

Temer ou um mundo que lhe foge das mãos

É difícil falar de Michel Temer sem mencionar tudo de negativo que ele representa na política. Poderíamos realçar a traição, a incompetência e a ambição pessoal, como traços marcantes do seu caráter, mas mesmo assim creio que estaríamos longe de definir a personalidade deste homem, que assumiu por meios transversos, para não dizer ilegais e ilegítimos, o governo da nossa grande nação.

Poderíamos ainda acrescentar, talvez, a mediocridade, a corrupção, e a amoralidade de um político que se elegeu pela esquerda, depois se vendeu para a direita, e serve ainda de intermediário para os que estão comprando nosso Congresso, sabe-se lá por quanto, para entregar nosso petróleo às multinacionais e enterrar nosso futuro.

Tudo feito à toque de caixa, antes que o governo interino acabe e a oportunidade passe, cinicamente entregando nossa maior riqueza em nome da nossa "recuperação econômica".

Um homem que diz não se importar que 73% da população o rejeite, mas que reitera frequentes juras de fidelidade ao mercado, ou seja, aos empresários que financiaram o golpe, é um criminoso confesso, pois como todo bandido não se importa com a vida das suas vítimas, negando-lhes todos os direitos em proveito dos mandantes do crime.

Tudo isso vem sendo dito em blogs, grupos de zap, em jornais on-line da esquerda e, ultimamente até em sites de jornalões, como o UOL, que pertence à Folha de São Paulo.

Mas há algo na personalidade deste homem sinistro que me chama a atenção: suas mãos.

Quando fala, Temer gesticula de um modo incomum, articulando os dedos no ar, como se fosse um mágico. Prestidigitação é a técnica de iludir o espectador com truques que dependem da rapidez e agilidade das mãos. A maneira como ele move os dedos me lembra um mágico, um ilusionista, que tenta desviar nossa atenção para uma de suas mãos, enquanto faz o truque com a outra.

Outra coisa que realça na sua estranha personalidade, é o conservadorismo, uma espécie de saudosismo de um mundo que já acabou. Uma mentalidade analógica, num mundo digital.

Suas tentativas de restabelecer políticas do tempo da ditadura, como a disciplina de Moral e Cívica, nas escolas, ou mesmo as campanhas publicitárias inspiradas por ele, como "respeite seu professor", o próprio dístico de seu governo "Ordem e progresso", e a utilização de sua jovem esposa como "primeira dama", relegando novamente as mulheres ao plano secundário, tudo isso tem cheiro de bolor. É como uma roupa velha esquecida no fundo de um armário, que algum saudosista resolve utilizar para tentar reviver "os bons tempos", mas que não cabe mais no mundo de hoje, soando nostálgica, obsoleta, ridícula.

Até o slogan da campanha "Criança feliz", lançado por Marcela Temer, é o refrão de uma velha canção dos anos 1940, cantadas nos jardins de infância da época de Getúlio Vargas: Criança feliz, feliz a cantar..."

Observando esse espetáculo grotesco, comandado por esse mau ator, não posso deixar de pensar que Temer tenta segurar com suas mãos um mundo que já acabou. É a tentativa desesperada de um personagem secundário de fazer o tempo retroagir, tentando demonstrar que sua geração ainda pode contribuir com valores que ficaram para trás, antes que ele e seus contemporâneos desapareçam, soterrados pelas areias do tempo.

Suspeito que Temer representa a última tentativa dos medíocres, dos que nunca representaram nada, dos saudosistas de um mundo que não existe mais, de tentar provar que suas vidas não foram supérfluas, inúteis.

Seus ministros representam isso tão bem!

O que é José Serra tentando provar lealdade à hegemonia dos Estados Unidos e da Europa, quando ela (a hegemonia) se despedaça à olhos vistos?

São mais realistas que o rei. Nem os americanos, que ameaçam votar em Trump para se isolar do mundo, ou os ingleses, que deram uma banana para a Europa, acreditam mais nisso.

É claro que os que estão por trás dele e de sua equipe, sabem muito bem tirar proveito desse sentimento de não querer passar em branco, de tentar marcar seu nome na história, de não ser um "vice-presidente decorativo", como ele mesmo se queixou em carta, à então presidente Dilma.

Temer não é só um idiota, mas representa a parcela de uma geração que passou a vida inteira cheia de certezas inúteis, não conseguindo construir nada, e agora tenta, desesperadamente, segurar um mundo que lhe foge das mãos.