Sertão Hoje

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Ricardo Stumpf

Ricardo Stumpf é graduado em Arquitetura, com especialização em Desenho Urbano, Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia e especialização em Lingüística: leitura e produção de textos pela Universidade do Estado da Bahia (2007).

Crise, mudança e protagonismo feminino

A estagnação econômica do mundo capitalista, especialmente do próspero ocidente, motor do desenvolvimento por todo o século XX, nos acena com mudanças importantes e imprevisíveis. A ascensão econômica dos países asiáticos, africanos e latino-americanos, na esteira da globalização, provocou uma queda acentuada na renda das classes médias na Europa e Estados Unidos. Essas classes se voltam agora contra os tratados de livre comércio, que serviram para consolidar a hegemonia política de algumas potências, mas beneficiaram apenas os mais ricos, gerando fenômenos políticos inesperados, como a saída da Grã-Bretanha da União Europeia e o surgimento de um Donald Trump, propondo a volta ao isolacionismo, política abandonada pelos norte-americanos há quase cem anos.

No Brasil, a ascensão das classes populares, na esteira do projeto social-democrata do PT, incomodou as velhas elites conservadoras, não porque elas sejam contra a democratização do mercado, que a rigor também as beneficia, mas porque veio em meio a esse contexto de estagnação do crescimento, cuja principal consequência é a queda da taxa de lucro. E quando a taxa de lucro diminui o jogo democrático não faz mais sentido para eles, os ricos, que passam a jogar pesado na sua própria sobrevivência como classe, ameaçada pela interrupção da lógica que os sustenta: a acumulação continuada de capital.

É isso que está por trás do golpe de 31 de agosto e não o combate à corrupção. É isso que justifica a perseguição ao PT e seu modelo fordista de mercado de massas, que precisa ser impedido de voltar ao poder, para que a burguesia nacional consiga reorganizar a economia, de forma a continuar reproduzindo o capital. E quando a indústria, a agricultura e os serviços, já não conseguem mais alimentar essa sede contínua de acumulação, que é a própria essência do capitalismo, então o capital se reinventa e começa a gerar lucro à partir dele próprio, na especulação financeira que levou à grande crise de 2008, mas que continua a ser o único caminho visível para essa minoria, diante da estagnação econômica mundial.

No Brasil, não tendo mais para onde crescer, o capital quer avançar no que resta de atividade econômica do estado, privatizando a Petrobrás, o Banco do Brasil e as poucas estatais que restaram. Além disso precisam arrochar os salários dos trabalhadores e retirar seus benefícios sociais bancados pelo Estado, para que este reassuma a função de subsidiar os lucros do capital e reprimir a massa de trabalhadores, garantindo a velha "ordem e progresso".

Esse é, na essência, o sentido do programa denominado "ponte para o futuro", de Temer, que não passa de uma tábua de salvação das grandes empresas, mesmo que seja preciso mandar às favas a democracia, a política social, a educação, a saúde e tudo que o Estado representa de segurança e alavanca de desenvolvimento para a nação.

As alternativas para a estagnação capitalista mundial são:

1) A guerra, que destrua tudo para que o capital possa reconstruir, naquilo que eles chamam eufemisticamente de "destruição criativa".

2) A implantação de um socialismo democrático, onde o Estado assuma o papel de motor do desenvolvimento e o grande capital desapareça enquanto ente principal do desenvolvimento, substituído pela pequena e média empresa, numa economia mista semelhante à chinesa, permitindo a livre iniciativa, desde que ela se enquadre no planejamento estatal, desenvolvendo o consumo de massas, apostando na educação e na ciência para superar os gargalos econômicos e no alto desenvolvimento humano.

Essa é a luta que se trava atualmente no Brasil. O capital atrelou-se a um discurso de ódio contra tudo que o ameaçasse, instrumentalizou um grupo de juízes e literalmente comprou o parlamento, para impor suas prioridades. A resistência nas ruas vem se organizando rapidamente, depois de muitos anos adormecida pelas políticas compensatórias do PT e suas estratégias de aliança com setores conservadores. O governo Temer, que assumiu a responsabilidade de implementar esse programa de destruição de direitos e empobrecimento geral da nação para beneficiar uma minoria, que via seus lucros cada vez mais ameaçados, não parece ter competência para levar a bom termo esse projeto.

Além da própria mediocridade do "presidente", salta aos olhos a falta de quadros qualificados no seu "governo", pinçados nos setores mais atrasados e corruptos da política nacional. A imagem internacional do país desabou, diante da truculência do "chanceler" Serra, criando problemas onde antes não havia, se imiscuindo em crises alheias, numa prática completamente fora da tradição brasileira. As trapalhadas do governo, com declarações contraditórias e um vai e vem de propostas inconsistentes, que conseguem desagradar a todos, sugerem que nem mesmo o grande capital se sente representado por gente tão incompetente.

Nesse contexto, chama a atenção a ascensão de grandes lideranças femininas.

Comparando-se o comportamento firme e altivo, diante do Senado, da presidente destituída Dilma Roussef, com a do choroso Lula na sua defesa de líder injustiçado, já se percebe um novo protagonismo das mulheres brasileiras. As lideranças que mais se destacaram na defesa da presidente foram mulheres. A começar por Kátia Abreu, a quem ninguém pode acusar de esquerdista, já que representa o agronegócio, seguida por Jandira Feghali e Vanessa Graziontin, do PCdoB, e por  Gleisi Hoffman, do PT, que com sua carinha de Barbie de narizinho arrebitado, revelou-se uma autêntica pantera, capaz de lutar tenazmente por ideais democráticos. Candidatas a prefeituras de cidades importantes também vem se destacando, como a própria Jandira Feghali, no Rio de Janeiro e Alice Portugal, em Salvador, ambas do PCdoB.

Dentro dos próprios partidos de esquerda, principalmente dos que crescem com a crise do PT, nota-se o protagonismo da presidente do PCdoB, Luciana Santos, que também é candidata a prefeita de Olinda, e de Luciana Genro, ex-candidata a presidente pelo PSOL e atual candidata a prefeita de Porto Alegre, além da velha conhecida dos paulistas, Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo, agora no PSOL, que do alto dos seus quase 82 anos segue na luta pela democracia e pelos direitos dos trabalhadores, no contexto de tantas outras candidaturas de mulheres pelo Brasil afora.

Uma provável reorganização partidária, proposta pelo PSDB, cujo objetivo é impedir a representação da esquerda no parlamento, pode ter efeito contrário e unir a esquerda num grande partido, enquanto a velha direita, com suas velhas ideias, já não convence ninguém e tende a minguar. O próprio discurso de ódio que eles alimentam nas redes sociais tende a se tornar repetitivo e inócuo, perdendo a eficácia na medida em que a classe média perceba que também vai ser fortemente atingida.

Novas lideranças e propostas de reorganização institucional devem surgir do esgotamento dos discursos políticos, do PT, da velha esquerda e da velha direita, abrindo as portas para um novo futuro. E nesse panorama as mulheres exercerão um papel relevante na construção de uma nova democracia inclusiva, como alternativa de paz e prosperidade para a humanidade.