Paulo Esdras
Paulo Esdras é Comunicólogo, Agente cultural, protetor dos direitos dos animais e Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA) de Brumado.
Segredos do mar
Não estou no porto a ver navios, pois sou homem do mar e a experiência me fez atracar no vai e vem de cais em cais. Trabalho além porto há tempos e tempo ruim não me mete medo: não há mar revolto que uma hora não se amanse. Tempestades, sol forte, longas semanas distante da costa são comuns em minha profissão, mas a tormenta que enfrentaríamos desta vez não era esperada por ninguém. Sentia-me já enjoado em terra firme por saudades do oceano e barco parado não faz viagem. O mar estava muito calmo quando saímos, mas do que o de costume e todos sabemos que depois da bonança, vem a tempestade. O vento frio soprou e, de vela cheia, o bulbo passou a rasgar o espelho d´água com elocidade. Desviando das manchas escuras e de sacos plásticos abandonados, nossa embarcação ganhou rapidamente o habitat em que os grandes cardumes se escondiam: o alto mar. O oceano é um mistério e o bom velejador sabe respeitar os segredos das águas profundas. Quem não é da lida marítima imagina que o litoral é uma barreira intransponível, uma fronteira limite dos caminhos possíveis. Porém, para pessoas como eu o litoral é o início da jornada, um portal que aproxima os povos que a natureza separou. Ainda na segunda semana de trabalho, uma tempestade desabou sobre o barco sem dar aviso. A chuva encharcou o barco e as ondas cresceram assustadoramente. Corri para ajustar as velas seguindo as orientações do capitão para que direção tomar. O mais importante nesta situação era buscar um caminho mais curto para deixarmos a tempestade e a sabedoria do capitão era imprescindível. Contudo, eu tinha que expor o mínimo possível o costado às ondas, pois caso contrário a embarcação poderia capotar. As tempestades costumam mover-se ao sabor do vento e eles mudam constantemente seu paladar. Por isso cada tempestade era única e as mãos calejadas da tripulação e os olhos gastos do timão tinham que combinar com uma boa intuição para todos escaparem do maremoto. Os ventos alcançaram força 6 (22 a 27 nós) e alguns tripulantes já exaustos caíram sobre o próprio terror. Os trovões eram implacáveis e os relâmpagos tocavam a água cada vez mais perto de nós. As ondas batiam na lateral do barco à bombordo, mas eu já tinha preparado o ângulo certo para não naufragarmos, aquartelando e fazendo a nave movimentar-se simultaneamente para o lado e para a frente, minimizando o impacto das fortes ondulações netúnicas. Os relâmpagos paulatinamente ganharam distância, indício de estarmos saindo do olho ciclonal. Todos caíram no convés aliviados por estarem vivos e em segurança. Eu observava a beleza da zona do temporal à distância. E assim sobrevivemos a uma das piores fúrias marítimas que pude presenciar. Barco avariado, mas mastro persistente. A resiliência da quilha e a força do leme levaram-nos de volta ao porto seguro. “Mares calmos não fazem bons marinheiros”, assim como a vida nos traz desafios constantes a fim de aprimorarmos e evoluirmos como velejadores de nossa história.