Sertão Hoje

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Colunistas

Aurélio Rocha

brumadense, paramiriense e caetiteense, Aurélio Rocha é médico, formado pela UFBA, turma de 1963. É professor Titular de Ginecologia-Obstetrícia da Faculdade de Itajubá-MG

COISAS DE ANTANHO

Neurocientistas afirmam que esquecer ‘é vital para manter a sanidade’ e então fico feliz porque esqueci há alguns meses numa pasta o que a seguir – se os meus sete leitores tiverem paciência, escrevi:

Hoje, um oito de dezembro, dia consagrado a Nossa Senhora da Conceição, festa de ‘arromba’ lá em Salvador e então veio à memória que, naquele dia, à noite, alguns colegas – havíamos formado em 06.12.1963 – resolveram fazer uma reunião, que embora assim não fosse programado, seria o ‘último encontro da turma’. E descemos o elevador Lacerda e nos acomodamos numa barraca. Aos poucos, todos chegaram e o bate-papo começou. Algum tempo depois, chegou uma jovem que simplesmente se acomodou numa ponta do banco, vazio no momento. Bonita, sem afetação. Sorriso limpo, dentes a mostra, bem implantados. Uma jovem que chamaria a atenção em qualquer local. Não me lembro se usava ou não batom ou pintura. Não falava. Os olhos pareciam captar tudo e esboçava um discreto sorriso. Perguntou a nós onde estava um dos colegas (omito o nome). Disse-lhe que iria chegar, com certeza. Ficou quieta. Pediu um guaraná ‘Fratelli Vita’ natural (para mim um purgante...). O grupo de cinco tomava ‘Rum Merino com Coca-Cola’. Pouco tempo depois chega, apressado, cabelos assanhados, o colega. Procedente lá do norte. Moreno, cabelos pretos, ‘cabeçudo’ e com dois olhos verdes. Deu ‘boa noite’ e foi direto para a moça. Se abraçaram. Ninguém entendia nada até então. Caiu a ficha: a moça era a noiva, que em sigilo ele mantinha desde o 4º ano de medicina, lá pela Ribeira, bairro então muito longe da ‘nossa área’.

O colega tinha um apelido: ‘Clio’. Era, entre todos, o mais retraído e reservado, até mesmo lá na Residência dos Universitários, onde uma vez por mês havia um baile e ele jamais levou a moça, que ali era abraçada com intimidade e grande carinho. Talvez resguardasse sua amada, que embora batizada como Maria, preferia ser chamada de ‘Lilá’. Não sabemos as razões e jamais iríamos procurar.

Desfrutamos a noite e já passando um pouco das 24 horas, embarcamos no elevador Lacerda. Em fevereiro – isso em 1964, assistimos o casamento de Clio e Lilá. Os nossos contatos eram eventuais, mas sempre procuramos saber como os colegas viviam e onde trabalhavam. O casal fixou residência em Salvador, a capital, que não é a minha, óbvio. Afinal, quando de lá saí, só haviam 600 mil almas e hoje é a terceira capital do país, com mais de três milhões e meio de ‘soteropolitanos’. Como estávamos chegando o tempo para se fechar os 50 anos de formatura e, por motivos de rotina familiar me encontrava em Salvador, comecei a fazer contato por telefone (ainda fixo foi o mais usado) e ligando para Clio, que atendeu foi ‘Maria’, que gostava de ser chamada de ‘Lilá’. Ela foi sumária: ele faleceu. Iríamos completar 49 anos de formados. Nos 50 anos haverá mais uma falta. Fizemos a anotação num caderno, onde registramos passamento de entes queridos. Ainda guardo a imagem de Lilá chegando para se sentar no banco da barraca á na festa da Conceição!

 

26.07.2015