Sertão Hoje

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Colunistas

José Walter Pires

José Walter Pires é escritor, membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel e tem várias obras já publicadas, que inclusive são utilizadas nas redes pública e privada de ensino.

DERALDO DA RURAL

Em frente ao Hotel Brasília, atual Banco do Brasil, aproveitando a sombra de um coqueiro ali existente, Deraldo estacionava a sua rural. Permanecia sentado à espera de uma corrida, o que acontecia com frequência, pois raros eram os prestadores desses serviços, aí pelos anos 70, quando aqui aportei, juntamente com a professora Maria Edir e o Professor Nivaldo, como integrantes da equipe de Direção do recém-estadualizado Ginásio General Nelson de Mello. Professor Xavier veio depois.

Muito utilizamos dos seus serviços nas idas e vindas ao Colégio, em razão do sol escaldante de Brumado, subindo a rua Euclides da Cunha e, dobrando à esquerda, na esquina do cemitério, pela Avenida Guilherme Dias, ruas ainda sem calçamentos e compridas. Quase nada existia para cima, salvo a rua Mestre Eufrásio e raras residências no seu entorno. 

Chamavam-no de “seu Deraldo”, certamente em razão da sua aparência carrancuda, detrás do inconfundível óculos escuros, testa larga e a careca a campo aberto, estampando uma fisionomia que lembrava a do personagem “amigo da onça”,  de Péricles, famoso cartunista pernambucano, em publicação na revista “O Cruzeiro”; por isso, merecera a alcunha, que não sei se era aceita de  bom grado. Mas, solícito conosco, fora, ainda, um dos parceiros de bate-papo do Professor Nivaldo, cuja simpatia, educação e cordialidade o fizeram conhecido e amigo de professores, alunos, além de muitas outras pessoas com quem mantinha contatos ou se cruzava, acenando, nesses instantes, com a mão direita à altura da fronte para a cordial saudação. Era o seu jeito de ser e conviver.

Na rural de seu Deraldo, quase rente ao para-brisa, tinha uma mãozinha que, por algum mecanismo, balançava constante ao movimento do veículo, para lá e para cá, em forma de acenos.

Pois bem: certa tarde, meses depois nossa chegada, subíamos para o Colégio, eu e o querido colega, já no seu fusquinha azul, quando cruzamos com a bendita rural com a mãozinha acenando.  De inopino, Nivaldinho elevou a sua mão à fronte e respondeu a saudação.

Então, caí na besteira de perguntar:

— Parceiro, quem passou acenando na rural?

— Ora quem!? Você não viu que foi o seu Deraldo? ¬ — Respondeu com ares de zanga.

— Ah, pensei que fosse a mãozinha mecânica – dissimulei.

Ele não respondeu mais nada, porém aprendi uma lição: um aceno nunca é demais!