Sertão Hoje

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Academia Caetiteense de Letras

Esta Coluna é produzida pelos integrantes da Academia Caetiteense de Letras (ACL) e os seus convidados e tem por objetivo compartilhar com o público discussões relevantes sobre temas da atualidade, sob a ótica acadêmica e literária.

A ACL e o preconceito

Por Fábio Silveira

Dialogando com Zelia Malheiros e Zezito Rodrigues

Salve todxs!

Demorei com essa manifestação, quase não a faço, pelo obséquio de, até esse momento, não ter sequer um vislumbre de como tratar esse tema sem que a abordagem, de algum modo, penetre as sendas do debate político ou as trincheiras da luta de classes, o que, neste fórum, acontece subliminarmente e contra o regulamento. Tentativas de aforamento desses diretórios, as sendas e as trincheiras, são logo operculadas por fiscais atentos. Não que eu não houvesse dialogado com um latinista que figura patrono da cadeira 39 desta confraria. O velho promotor recomendou com um usual latinório res magna tacere est si vis pacem.

Mas como eu poderia calar-me, como não ouvir Albert Camus gritar em meus ouvidos:

“Não poderemos nos quedar alheios e distraídos. Nem o momento comporta atitudes de indiferença. Não durmamos, pois, que a paz será uma realidade, ela que, agora, não passa de uma promessa.". Caminharei com Camus desta vez.

Decidido então que o silêncio não será uma alternativa diante do que aqui se canta como bastião da língua mater e, na verdade, não passa, escandalosamente, da consubstanciação do preconceito, ou melhor, de preconceitos, na pele de um dos mais ignotos e por isso mesmo altamente ameaçador – o preconceito linguístico. Os aplausos, verdadeiros ou protocolares, para os arautos de um supremacismo amamentado por uma pseudo propriedade da normapadrão são indevidos.

Tenho certeza de que é meu dever ab-rogar essa empreitada infame de praticar tamanha ignomínia em nome de um purismo linguístico anacrônico e, perdoem o lugar comum, sem comprovação científica. Ressaltando que fervilham negacionistas da sociolinguística, mas a tentativa falaciosa, baseada num empirismo enviesado e sem lastro sequer no senso comum de plastificar a língua, de negar a efetividade da comunicação em defesa de uma estética abjurante e discriminatória vai de encontro a um dos conceitos mais elementares da ciência em tela: a heterogeneidade linguística.

Tão certo quanto o caráter esférico do planeta, essa heterogeneidade é, sobretudo, a porta bandeira da resistência diante de tão intenso ataque ao caráter eminentemente democrático do uso da língua na “comunidade de fala”.

Com Fiorin (2003, p. 75), percebe-se essa verdade:

"[...] a linguística tem um papel de educar para a democracia, educar para a cidadania. A democracia não é o governo da maioria como dizem. A democracia é um sistema político em que existe um respeito à diferença, um respeito à diversidade. Ora, a linguística, ao mostrar que a língua é heterogênea, que a língua é diversa, que a língua é plural, é, de certa forma, uma maneira de educar para a tolerância e isso é educar para a democracia."

O linguista, e por certo Fiorin o é, traz uma opinião que repercute unânime entre os desenvolvedores de estudos e pesquisas na seara da sociolinguística e, o mais importante, discorda integralmente do que se afirma nas propostas elitizadoras e excludentes do uso da língua, que aqui brotam descaradamente e ainda arranca aplausos de incautos literatos que, tenho certeza, não são coniventes com essa gigantesca sandice, apenas seguem o protocolo da boa educação.

Envidando estruturar a minha súplica para que este Silogeu sufoque, no nascedouro, toda e qualquer diligência que persiga a desvalorização da cultura popular, julgando-a menor ou deficiente, trago um trechinho do inexorável trabalho de Magda Soares (1992, p. 41), que afirma:

"Do ponto de vista lingüístico, ou sociolingüístico, o conceito de “deficiência linguística” é um desses estereótipos, resultado de um preconceito, próprio de sociedades estratificadas em classes, segundo o qual é “superior”, “melhor” o dialeto das classes socialmente privilegiadas; na verdade, essa “superioridade” não se deve a razões linguísticas, ou a propriedades inerentes a esse dialeto, mas a razões sociais: o prestígio de que essas classes gozam, na estrutura social, é estendido a todos os seus comportamentos, sobretudo a seu dialeto."

Taxativa, direta, incisiva, verdadeira e valente a professora Magda, como diria no dialeto da comunidade nerd, ultimate! Por outro lado, desculpo-me com outros e tantos autores que fizeram inscrição para ornar esses escritos, acalmem-se que tréplicas virão e todos terão vez.

Agora, para não perder tempo nem fugir a ética adianto as referências e dou por encerrada essa fala.

Fonte:

FIORIN, José Luiz. José Luiz Fiorin. In: XAVIER, Antonio Carlos. CORTEZ, Suzana. (orgs.).

Conversas com linguistas: virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Editora Ática, 1992.