Sertão Hoje

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Academia Caetiteense de Letras

Esta Coluna é produzida pelos integrantes da Academia Caetiteense de Letras (ACL) e os seus convidados e tem por objetivo compartilhar com o público discussões relevantes sobre temas da atualidade, sob a ótica acadêmica e literária.

A Vila, o Vírus e o Zap

15/04/2021.

“Dialogando com Zezito e Mano”

Ai a Vila! Para mim, ela foi mostrada com poética e rigor científico por outros olhos amigos. A pequenina foi observada sob pontos de vista históricos, geográficos, sociológicos e comportamentais, mas o lírico dos escritores que dissertaram sobre a vila não permitiu que, na morgue, fosse dissecada em necrópsia, há vida na vila, ainda que essa vida quase sempre se mostre a nós como a viu Drummond em sua vila, devagar e besta.

Engana-se quem pensar que a vila foi ser gauche na vida. Hã, hã!Vê-se, pela vida que se leva na vila que ela se tornou atrevida, insolente e, até mesmo, cretina.

Uma vila, duas vilas, três e outras vilas fazem uma província e a minha, ou melhor, a nossa vila é, pela existência, um ente provinciano. O que não quer dizer que a vila é tola. Nesse quesito, Drummond faz-se anacrônico em sua opinião sobre a vida na vila. A nova configuração dadaa vila pela tecnologia deu fala a atores antes figurantes. Agora, autores, intérpretes, plateia e críticos, todos personificados num só protagonista: o povo!

Como assim? Simples: as classes populares assenhorando das mídias sociais, especialmente os grupos do aplicativo de mensagens – o whatsapp. O assalto foi tão intenso, a apropriação foi tão incisiva, que gerou uma intimidade tão evidente que o apelido carinhoso apareceu nas primeiras horas da ocupação: o Zap. E com o zap veio uma variante linguística, já com tantas convenções estabelecidas confirmando, num laboratório linguístico funcionando full allthe time, o surgimento de um NOVO dialeto.

Percebi isso quando comecei a ver em várias postagens a expressão:Salve todxs. Isso se repetindo continuamente em contextos os mais diversos.

Intrigado que estava fiz também algumas pesquisas sobre a utilização desse X. Essa estratégia, utilizada apenas na escrita, transcende a discussão eminentemente linguística. O uso desse tipo de recurso gira como alternativa nos debates sobre as questões de gênero (há quem não admita esse debate). No Brasil, as questões de gênero adquirem maior relevância ainda com os pronunciamentos de Sarney, no princípio dos anos 90 e seu bordão "brasileiros e brasileiras". Com FHC, a temática de gênero ganha o debate nas Universidades e surgem os primeiros marcos legais. Com os governos populistas de esquerda essa discussão avança para os movimentos sociais, os quais, empoderados, adquirem grande força na formação de opiniões e o, então chamado "politicamente correto" com seu "bom dia a todos e a todas" ou "companheiros e companheiras" demandam uma adequação imediata para acompanhar a inegável dinâmica que a velocidade da comunicação veio impor e exigir nos meios digitais, o feedback virá como um bólido.O processo dialético é tão intenso e exposto que tem risco alto de se corromper com a proliferação de falácias. Aos guardiões da gramática agora importa que sejam guardiões da verdade. Essa é a nova missão da Guarda.

Esse astronômico crescimento das mídias socias, onde o processo de comunicação se completa com intensa celeridade, houve que se imprimir também uma velocidade na escrita, para tanto surge a variação dialetal que se evolui a cada instante por uso intensivo e massificado. Não há como negar, isso é concreto: língua escrita, língua falada e, com boa parte da comunidade filológica, língua social digital. Nesta última, a forma, a normatização e o purismo perdem espaço, não fazem mais sentido, a língua não pertence mais aos eruditos, aos acadêmicos ou a qualquer outro elitismo mais instruído, a língua agora é do povo e, por mais severo que seja o sítio, ele não vai cedê-la.

Foi assim que as desinências de gênero, tão cristalizadas nos acordos ortográficos, receberam de volta do ostracismo o X desinencial que outrora fora corrente. Era e é preciso dar respostas rápidas sem perder o foco no debate pelas liberdades individuais, coletivas e os direitos fundamentais das minorias vitimadas pela discriminação e preconceitos. Não cabia mais a perda de tempo para se digitar o mesmo nome duas vezes, bem como era mister neutralizar qualquer barreira das conquistas populares. E aqui temos o que admito ser um dos maiores legados que o povo conquistou: a apropriação da língua, finalmente a propalada voxpopuli tem uma forma, é tangível.

Por fim, a variante dialetal escrita utilizada, principalmente nas mídias sociais, contraria os puristas por ser heterodoxa e não será unânime um posicionamento que siga os rigores do purismo linguístico e do engessamento gramatical – serei dissidente. Ehnoix, tá ligado!

Mas teacher e o vírus?

Ah tá! O vírus... fique em casa sempre que puder, use sempre máscara, lave bem as mãos muitas vezes, use álcool em gel, quando chegar sua vez, vacine-se, guie-se pela ciência e viva o SUS!!

N.R.- Desta feita, a coluna “O Silogeu” traz um texto de autoria do acadêmico e Professor Fábio Costa Silveira Lima (Peréu), ocupante da “cadeira 33 – Danúsia Freitas Silveira”.

Saiba mais sobre a ACL acessando https://pt.wikipedia.org/wiki/Academia_Caetiteense_de_Letras.