Sertão Hoje

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Colunistas

Fabiano Cotrim

É professor e advogado do escritório "Cotrim, Cunha & Freire, Advogados Associados", em Caetité. Membro da Academia Caetiteense de Letras (cadeira Luís Cotrim), Mano, como é conhecido, gosta mesmo é de escrever poesias, mas, desde os tempos de Maurício Lima, então batucando na sua velha Olivetti Lettera 32, colabora com o Jornal Tribuna do Sertão, sempre nos mandando crônicas.

Moraes morreu?

Moraes Moreira morreu, dizem a mim. Moraes morreu? Digo eu sem querer acreditar. Mas de fato Moraes Moreira morreu. Infarto. Dormindo. Sonhando? Ou sonho eu enquanto ouço “Valentão” numa vitrola de tampa bipartida, movida a um carrego farto de gordas pilhas amarelinhas?

Essa notícia, a morte do cantor e compositor, do músico, do escritor, do poeta Moraes Moreira, vinda agora enquanto vige esse estado de assombro e medo, de incertezas, calou ainda mais fundo em mim. Pensei logo no amigo Zé Walter, irmão do Moraes e, como ele, refinado artista. Pode o amigo reverenciar como se deve o ente querido? Pensei nisto e sofri, mas pensei também nas noites de carnaval brincadas ao som de Moraes Moreira, no texto agradável dos cordéis do Zé Walter e tudo se aclarou. Ou quase...

É a vida, é da vida, dizia eu a mim mesmo num consolo débil. Revi a discografia do Moraes, tão bela. Ouvi novamente as suas canções tocadas no rádio, busquei uma carta gentil que me enviou o Zé Walter e o desassossego não passava, não passou. E confesso logo que a essa altura já pensava em outras mortes, em tanta gente boa que se foi nessa quadra que já perdura e nos levou a esse tempo em que prosperam tantas e tamanhas nulidades, e, como escrevo isto no dia dezesseis desse abril fatídico, desse dois mil e vinte sombrio, acrescentada foi a perda do Rubem Fonseca ao meu infortúnio.

Não deve ser do interesse de nenhum dos que lerão esta coluna, mas para Zé Walter ficar sabendo eu tenho que dizer que a providência mais razoável que tomei foi uma cachaça da boa, um pedaço de carne frita lambuzada na farinha e um estalar de dedos em honra e glória do Moraes que se foi, que partiu deixando uma obra monumental.

Aumentei o volume, deixei o disco rodar, caro Professor Zé Walter, meu amigo dileto, foi o que fiz. Só isso...

O mais foram lembranças. Todas elas boas lembranças do seu irmão cantando e tocando, dos versos que ele fez soando em velhos alto-falantes, essas coisas que nos fazem ser, ainda hoje, já errados, sensíveis a ponto de saber que a dor passa, ainda que perdure o espanto que é tanta dor existir, tanta dor nos caber enquanto vivemos a vida que nos cabe. Passará também, poeta Zé Walter, essa sensação que o Moraes Moreira morreu.

Morreu não, amigo, o seu irmão é imortal, posto que, em vida, se decompôs em versos.

Hoje, agora, Moraes se espalha pelo vento, é som, é alento...