Sertão Hoje

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Fabiano Cotrim

É professor e advogado do escritório "Cotrim, Cunha & Freire, Advogados Associados", em Caetité. Membro da Academia Caetiteense de Letras (cadeira Luís Cotrim), Mano, como é conhecido, gosta mesmo é de escrever poesias, mas, desde os tempos de Maurício Lima, então batucando na sua velha Olivetti Lettera 32, colabora com o Jornal Tribuna do Sertão, sempre nos mandando crônicas.

MORRER ONLINE...

Amigos, amigas, tempos estranhos esses que correm, e nesses tempos até morrer, ato prosaico, comum a todos nós, já não é tão simples, já obedece a novas regras, já traz novas implicações. Antigamente o sujeito morria, velavam-no, enterravam-no, e pronto. O resto era saudade quando o caso, o sujeito, assim o merecesse. Hoje, não, hoje, morrer exige o cumprimento de muitas e custosas formalidades. E se tudo não for feito direitinho, o sujeito pensa que morre, mas continua, de certo modo, vivinho da silva por ai.

A todos esses perrengues fúnebres modernos sobre os quais pretendo lhes falar, aqui em Caetité, acrescente-se o necessário anúncio em carro de som que será veiculado (literalmente) pelas ruas da cidade. Caso contrário, se você disser para alguém que fulano ou fulana passou desta para melhor, poderá ouvir a resposta: “Mentira, eu não ouvi nenhum carro de som falando isso”. Não sei se ai na cidade de vocês tem disso também, aqui não tinha, mas de um tempo para cá é assim, ou se anuncia no carro de som, ou não se morre direito. Tenho um amigo que abomina tal costume, e ele jura de pés juntos que não vai morrer de jeito nenhum, que é para ninguém botar aviso em carro de som sobre o seu passamento, mania, segundo ele, muito da besta...

Mas como eu ia dizendo e parei, morrer agora é ato complexo, pois não se morre apenas fisicamente na era virtual. O corpo rígido, gélido, velório devidamente realizado, chás, café e biscoitos consumidos, a noite mais longa já se encaminhando para o final e alguém se lembra: apagaram ele das redes sociais? Não, ninguém havia se lembrado do Facebook, WhatsApp, e-mail, Instagram, etc., etc., etc., do falecido. Assim é que, morto sem mais jeito, a pessoa pode continuar viva nas redes sociais. E o pior, quando a morte física é súbita, será preciso alguém vivo para apagar, matar por assim dizer, o que já morreu de fato, já não está entre nós, do mundo virtual em que ele também tinha vida, amigos, lembranças guardadas.

E a senha? E se ninguém sabia a senha do que foi para a cidade de pés juntos? Já se conta de casos em que o dedo do morto foi esfregado na tela desses celulares mais modernos, os smartphones, para ver se aleatoriamente acertava-se a combinação de acesso às contas do de cujus, sem sucesso, obviamente. Sem a senha então, por um tempo, lá estará a foto sorridente, o perfil completo, as frases, vídeos, tudo enfim daquele que já se foi, mas que ali, naquele espaço virtual, vive. E poderá ser dolorosa a jornada dos entes queridos que se incumbirem dessa nova via crucis, mas hoje ela é, assim como a velha forma de morrer, inevitável...